
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma
de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água
entre o azul
do prado
e de um corpo estendido.
Procuro-te:
fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti,
e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio
são a mesma coisa
quando te procuro de rosto
cravado na luz.
Eu sei que há diferenças
mas não quando se ama,
não quando apertamos
contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes
é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão
pinta de azul o céu
e o mar é devassado
pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
antes que a morte
se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos,
na cama,com amor,
com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia,
triste, alegre
– procuro-te.
Eugénio de Andrade